terça-feira, 14 de junho de 2011

Eu sou?



Torna-te quem tu és!
(Friedrich Nietzsche)

Será isso possível?

Outro dia, retomando algumas leituras, deparei-me com essa pequena e profunda frase de Nietzsche: Torna-te quem tu és! Li, reli... Na hora, fiquei impactada com essa declaração, com o seu poder.

Desde então, não paro de pensar nela. Faço as coisas que preciso fazer. A vida segue. Mas, quando menos me percebo, lá está ela em minha cabeça, falando baixinho, mas com voz de autoridade:  “Torna-te quem tu és!”...rondando meus pensamentos em busca de sentido. Creio que a presença dessa frase em minha mente tem a ver com outra coisa que também chama a minha atenção já há algum tempo: o quão esvaziada de sentido está nossa vida. Temos muito o que fazer, mas poucos de nós tem realmente se permitido SER.

Não dá tempo! Temos uma vida cheia de demandas, de compromissos marcados, de horários... Uma agenda esmagadora que diz como você deve ser, horários a cumprir, técnicas que deve utilizar para ser melhor avaliado em seu trabalho, coisas que alguém na sua idade e com o seu status precisa fazer, senão deixa de fazer parte do seletíssimo grupo dos “bem-sucedidos” (se é que algum dia foi parte dele!). Resultados...todos vivemos com foco nos resultados! Na vida, no trabalho, nas finanças e no amor! Essa é a meta! Mas, onde foi parar a pessoalidade? Onde você foi parar, enquanto buscava os tais resultados na vida? 

Antônio Machado tem uma frase célebre que dialoga com isso: “Não há caminho, companheiro. Se faz o caminho ao caminhar”. Se ele tem razão no que diz, creio que eestou no ponto da encruzilhada, no qual é preciso parar para repensar o caminho. 

Qual caminho desejamos percorrer? Qual vida queremos realmente ter? O que queremos nos tornar? Essas questões são fundamentais e podem mudar o rumo de nossa história. Pode nos fazer  ser realmente aquilo que somos e resgatar, antes que seja tarde, aquilo que faz sentido em nós e para nós.

Você já se perguntou por quê você faz o que faz? Ou melhor, para quem? Sim, porque se seu objetivo é mostrar sua competência, sua desenvoltura, seu desempenho ou qualquer outra coisa do tipo,  em qualquer área da sua vida, você está fazendo isso para mostrar para alguém. Então, para quem? 

A quem você não quer desapontar, a quem deseja orgulhar? Essas perguntas são importantes pois a depender da resposta, você está a cada dia escolhendo um caminho para agradar essa pessoa, mas está se perdendo de você.

Pare um tempo e reflita: Quem é o seu dono? Se você não consegue passar um dia sem checar seus e-mails, seus sites de relacionamentos, seu msn, quem é o seu dono? Se você não é capaz de viver um grande amor, quem é o seu dono? Se você não consegue sair do trabalho no horário previsto todos os dias, quem é seu dono? Se você não consegue parar de fumar, quem é seu dono?

Para sermos capazes de nos tornarmos aquilo que somos, precisamos antes nos permitir conhecer aquilo que somos e nos diferenciar do que não somos. É preciso uma declaração de ignorância: Não sei! Pois é só a partir dessa declarção é que abrimos espaço para o conhecimento do nosso SER.

Sócrates já sabia disso lá na Antiguidade. “Conhece-te a ti mesmo” é o que ele nos diz, torna-te consciente da tua ignorância como um passo para tua sabedoria. Dar tempo para se conhecer, descobrir seus reais desejos e necessidades é um caminho importante para resgatar o significado da vida e da história. 

Conhecer-me significa estar contigo tempo o suficiente para desfrutar dos meus pensamentos, dos meus sonhos, daquilo que lhe me é caro na vida, os meus valores, tudo o que lhe traz significado. É também conhecer as minhas incompletudes, minhas incertezas, minha pequenez, e o meu sofrimento por tentar SER exatamente aquilo que sou. É a busca constante pelas minhas motivações mais primitivas, mais concretas e reais, como amar e ser amada, porque acredito que sem o amor  nada tem  sentido na vida.

Conversando com um amigo muito querido esses dias, começamos a pensar sobre  comodismo na  nossa vida. Nos acodomamos a uma série de situações que a vida nos impõe.  Dia após dia,  preferimos viver como lagartas em nossos casulos, pelo medo de experimentar a transformação de virar uma borboleta. Esse processo da mutação da lagartinha feia e rastejante em uma linda borboleta alada,  pode ser comparado a algumas decisões que precisamos tomar em nossa vida. É um ciclo de transformações contínuas e irreversíveis. E isso pode gerar um medo profundo. Muitas pessoas preferem continuar lagartas, pelo medo do novo. Pelo simples medo de sair voando por aí. Isso pode acontecer em qualquer área da nossa vida. 

Também tenho pensado muito no distanciamento que a humanidade tomou daquilo que realmente importava na vida. No passado longínquo, a vida era mais simples, mais concreta. Plantávamos o que comíamos. Trabalhávamos na medida das nossas necessidades, para ter o que comer, o que beber, o que vestir. Era assim. Simples assim. Cada um fazia o que era necessário para ter suas necessidades básicas saciadas. Ninguém se perguntava porque tinha que fazer isso ou aquilo. Estava implícito e explícito: era para viver. 

Ao longo dos tempos nos modernizamos. Cada vez mais sofisticados em nossos processos de trabalho, chegamos a um nível de abstração tal que perdemos de foco o real objetivo. Distanciamo-nos das nossas necessidades básicas e estamos adoecendo, porque não dizer, enlouquecendo em um mundo de fantasias que nos faz acreditar que nada é suficiente e que tudo é pueril e transitório. Sempre há algo mais a ser feito, precisamos melhorar, crescer, desenvolver, produzir. Mais, mais e mais...

Nesse contexto insaciável, ansiedade, estresse, depressão e síndrome do pânico já viraram senso-comum. As pessoas trocam dicas de ansiolíticos e antidepressivos em mesas de bar, mas não podem parar. Escuto nesse cenário um grito de socorro. As pessoas clamam por uma pausa, por um momento de ócio, por um momento de vida, um momento de amor. Clamam pela paz que só é encontrada quando se é autorizado ser quem se é. 

Criamos necessidades que não são necessárias. Então, criamos procedimentos para dar conta dessas novas necessidades. Geramos um sentimento de urgência, que nos faz sentir feliz ou triste, à medida de sua satisfação imediata. É tão abstrato que perde o sentido. Esvazia. Perguntamos: “o que te falta?” E a pessoa não consegue responder. Não porque não queira. Mas, porque realmente não sabe. Passou tanto tempo longe de si mesma, que hoje se desconhece. Fez tudo o que tinha que fazer. Tem tudo o que julgava precisar. E agora? Falta alguma coisa... Alguma coisa que não sabe nomear, mas falta. Falta se dar tempo para SER! E se tornar quem verdadeiramente É!

É preciso o limite. Limite que acalma. Com as crianças é assim. Elas brincam, correm, pulam. Mas, precisam da autoridade de quem as ama, para dizer: Por hoje chega! É hora de dormir! No início, elas reclamam. Não querem ir pra cama. A brincadeira está boa. É gostoso se divertir. Mas, ao acatarem, logo descansam e se acalmam. Precisam do descanso para se reagruparem, darem sentido as experiências vividas e se prepararem para mais um dia de brincadeiras. 

A idéia dessa experiência é que, ao longo da vida, na relação com essa autoridade amorosa, comecemos a conhecer nossos próprios limites e sejamos capazes de nos dizer o momento de parar. Tornamo-nos independentes dessa autoridade externa, mas é preciso resgatá-la dentro de nós, como a voz do auto-cuidado, do discernimento, da calma. Por vezes, somos tiranos com nós mesmos. Não nos concedemos a pausa, o descanso. Entramos no ritmo da produção: “tem que fazer, tem que entregar, o tempo urge”... A cobrança pelo fazer, pelo realizar, pela produção desautoriza o desfrutar. 

E a frase ecoa nos nossos ouvidos: Torna-te quem tu és!

Quando penso nessa frase, imediatamente eu a associo a  imagem de uma lua cheia que, dia após dia, vai se modificando em suas fases, vai se tornando... vai se mostrando... até surgir plena e completa! Ela se torna quem ela é! A lua. 

Será missão impossível respeitar nossos limites para dar tempo de nos encontrarmos com nós mesmos? Para dar tempo de nos conhecermos e assim nos tornarmos, dia-a-dia, aquilo que somos? E desfrutarmos o silêncio e a nossa própria companhia? É preciso tempo para descobrir e redescobrir e reinventar (porque não?) aquilo que já somos. Temos tudo o que precisamos.

Mas, se não nos permitirmos trazer à tona o que verdadeiramente somos, nosso trabalho, nossos relacionamentos e nossa vida terão ficado para sempre à margem de nós mesmos.

“Em cada um vive uma imagem daquele que deve vir a ser. Enquanto ele não a realiza, não alcança sua paz” (F. Rückert)

Que essa reflexão encontre lugar no SER de cada um, em todos os sentidos da vida, como encontrou no meu, na busca da real vivência do torna-te quem tu és!

Bj.

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De vez em quando tiro o mar de lá e ponho em mim. Só pra refletir a luz da lua.