terça-feira, 5 de abril de 2011

Piruá

Já ouviu falar em piruá?

Você já estourou pipoca? Se já  fez pipoca, deve ter observado a bela transformação do milho duro em pipoca macia.

Gosto dessa analogia que o Ruben Alves faz entre o milho de pipoca e as transformações pelas quais as pessoas passam, levando a um crescimento adquirido através de experiências sofridas.

Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar. O milho da pipoca somos nós: duros, quebradentes, impróprios para comer. E assim somos nós... Podemos nos comparar ao milho de pipoca. Somos essas criaturas duras,  insensíveis, incompreensíveis. Tantas vezes, com uma visão distorcida da vida, sem valores reais.

Pelo poder do fogo podemos, repentinamente, transformar-nos em outra coisa. Mas, a transformação só acontece quando passamos pelo fogo. O milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho para sempre.

Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosa. Só que elas não percebem e acham que seu jeito de ser é o melhor jeito de ser. Mas, de repente, vem o fogo... 

O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos: a dor. Eh vero! Também sofremos muitas transformações quando passamos pelo fogo que nos queima, faz arder, faz doer...  É a dor da alma. São aquelas  situações que nunca imaginamos vivenciar.
 

Pode ser um fogo de fora: um amor que se vai, um filho que adoece gravemente, o emprego perdido, a morte de um amigo, de um irmão.

Pode ser um fogo de dentro, cuja causa demoramos a descobrir e que nos atormenta um largo tempo: medo, ansiedade, depressão, pânico.

Enquanto estamos sofrendo a ação incômoda do fogo, desejamos ardentemente que ele se apague, a fim de que tenhamos repouso das dores. No entanto, sem o fogo não  acontecerá a grande transformação.  

Há sempre o recurso do "remédio": apagar o fogo! Sem fogo o sofrimento diminui. Com isso, a possibilidade da grande transformação também.

Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro cada vez mais quente, pensa que sua hora chegou: vai morrer.

Dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar um destino diferente para si. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada para ela. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo a grande transformação acontece: BUM! E ela aparece como uma outra coisa completamente diferente, algo que ela mesma nunca havia sonhado.

Bom, mas ainda temos o piruá, que é o milho de pipoca que se recusa a estourar. São como aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. A presunção e o medo são a dura casca do milho que não estoura.

No entanto, o destino delas é triste, já que ficarão duras a vida inteira. Lamentavelmente, essas criaturas não se permitem transformar na flor branca e macia para dar alegria a alguém. Nem para si próprios. Não desejam se tornar mais maleáveis, doces, amorosas.

Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo...

Ser piruá ou pipoca estourada? Temos que escolher. Aqueles que desejam ser felizes e fazer os outros felizes aceitam as lições das dores, tornando-se mais afáveis, gentis no trato com o próximo, ponderados no falar. Aprendem a usar a empatia, a fim de compreender as dores alheias.


Partes do texto extraído do livro “O amor que acende a lua” de Rubem Alves. Recomendo.

Té +
bj

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De vez em quando tiro o mar de lá e ponho em mim. Só pra refletir a luz da lua.